Ela nasceu Maria, nos últimos anos do século XIX. Não se sabe ao certo de ond ele veio. Sabe-se apenas, e é tudo que basta, que várias gerações de itaporanguenses, ao longo de décadas, chegaram ao mundo ajudados pôr ela. Maria virou Mãe Burrego quando se iniciou no ofício de parteira. Aliás, a melhor e mais competente que a cidade conheceu. Do marido herdou o apelido, como a maioria das pessoas que nascem no interior, que geralmente são identificadas pelo nome ou sobrenome do marido ou da família.
A nossa Mãe Burrego, que nasceu como Maria, como a mãe de Jesus, que também é a mãe de todos nós, gostava de ser tradada e reverenciada pelos seus feitos e a ajuda que oferecia às parturienses de Misericórdia. Maria morava no final da avenida Getúlio Vargas, principal artéria de Itaporanga, lá perto da Terminal Rodoviário. Todo dia, logo cedo, ela descia a avenida. Ia pôr um lado e voltava por outro. Foi, imaginam, a primeira e única pessoa na cidade que obdecia instintivamente as leis do trânsito. Descia pela direita e voltava pela direita.
Esbelta, elegante, sempre bem posta, usando na cintura um cinto feito com o mesmo tecido do vestido, todo dia lá ia ela com um pano no ombro, o cabelo liso e grisalho preso pôr uma marrafa, rua abaixo ou rua acima, parando a rodo instante:
-Menino, cadê a benção de Mãe Burrego?
-Benção, Mãe Burrego...
-Deus te abençei, meu filho.
A cada criança uma interrogação, uma benção, uma despedida. Para os adultos e dos adultos um cumprimento respeitoso, quase familiar.
-Bom dia, comadre.
-Bom dia, compadre.
A maneira que avançava rumo ao seu destino final, os cumprimentos se multiplicavam, e ela ficava cada vez mais radiante, mais orgulhoso, sentindo-se a mãe de todos os meninos, dos homens e mulheres de Itaporanga. Nem a chegada de médicos parteiros, especialistas a povoar a cidade já na década de 30, conseguiu abalar o prestígio de Maria. Mas com o advento do hospital, da maternidade, dos partos feitos pela barriga, o prestígio de Mãe Burrego começou a declinar.
No seu passeio diário pela Getúlio Vargas já eram poucos os meninos que nasceram pelas suas mãos encontrados pelo cominho, e que lhe deviam benção e revencia.
-Menino, cadê a benção de Mãe Burrego?
-E o menino lhe virou as costas, sem palavra, sem um aceno. Ele havia nascido no hospital.
A partir daquele dia Maria de Burrego não foi mais a mesma. O seu reinado de mãe de todos estava chegando ao fim. Nos raros passeios que fazia pela cidade restava-lhe apenas o cumprimento dos comprades e comadres, que pôr serem tantos não lhe faltavam nunca.
Maria morreu num dia qualquer de uma semana que já não se sabe qual. O seu corpo esbelto e seu andar cadente não povoam mais a memória da maioria dos seus conterrâneos.
Diante deste histórico, no mês de junho de 2001 a população de Itaporanga, em pleno século XXI, participou de uma votação para escolher a Personalidade do Século, ou como queiram, o Itaporanguense do Século. A Mãe Burrego foi a vencedora num reconhecimento histórico dos itaporanguenses pela sua impoartância para a cidade.
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